Mais uma consulta ia começar e ela, nervosa e ansiosa, arrumou-se tão depressa quanto pode. Mesmo assim, apesar daquele maremoto de sentimentos, vaidosa e cuidadosa do jeito que ela é arrumou um tempinho para se perfumar, checar o botijão de gás e sair. Trancou as portas como sempre, esquecendo seu par de brincos prediletos em cima da mesa.
…foi um pequeno brinco em formato de borboleta ou algo parecido, delicados assim como era a sua situação… |
Percorreu em passos firmes algumas ruas, e encontrou uma loja onde poderia comprar um par de brincos “substitutos”, afinal nenhum seria aquele. Olhou, olhou e olhou mas, naquele dia, o que agradou seu desejo foi um pequeno brinco em formato de borboleta ou algo parecido, delicados assim como era a sua situação.
Voltou a sua caminhada e foi assim até o consultório, chegando adiantada em uma hora. Aproveitou para lavar suas mãos no banheiro, secando as mãos lentamente e encarando seu reflexo no espelho: estava cansada de tudo aquilo. Voltou a recepção e, inquieta, andava de um lado para o outro, até resolver pegar uma revista qualquer e sentar-se. A revista era só um “escudo”, pois ela observava tudo ao seu redor. A janela empoeirada, os assentos nada confortáveis, a secretaria que lixava suas unhas grossas e grandes com um tom rosa choque…
Ela então se viu absorvida por seus pensamentos, relembrando o motivo que a levou até ali. Já faziam quase três longos anos que ela começou a se consultar, o motivo era muito simples: encontrar a paz e alivio interior. Mas nada é tão simples, e aquele Dilema, o grande Dilema dela fez com que as consultas fossem prolongadas. Três anos, talvez ela devesse comemorar o aniversario do seu Dilema, ela pensou nervosa com tudo aquilo.
a cada nova linha ela era preenchida por um tufão de sentimentos que faziam seu corpo tremer… |
E nervosa como estava, o tic tac hipnótico do relógio passou a incomodá-la, o barulho da lixa de unha da secretária passou a incomodá-la, a existência, aquele momento, tudo passou a incomodá-la. Para não surtar com tudo aquilo, resolveu então pegar seu caderninho e uma caneta dentro da bolsa e, com uma satisfação interna começou a escrever relatando o seu Dilema nas paginas em branco do caderno. Aquilo sempre a deixava relaxada, a cada nova linha ela era preenchida por um tufão de sentimentos que faziam seu corpo tremer e suar.
Escrevia sobre seu Dilema com tanto prazer, e porque não deveria? Afinal aquele era o Dilema de sua própria vida. E assim, escrevendo, ela nem viu a hora passando, o tic tac demorado já não incomodava mais. E sem ela perceber, a secretaria que lixava as unhas pintadas parou por um momento, ergueu a cabeça e avisou: A doutora lhe aguarda , pode entrar.
Continua…